
Agricultura familiar e sociobiodiversidade ganham protagonismo na alimentação da COP30
17/11/2025
Profissionais de Nutrição, agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais mostram que alimentar de forma saudável e sustentável também é enfrentar a emergência climática
Por Kamila Aleixo
Belém (PA) – Na COP30, a alimentação deixou de ser apenas uma questão logística para se tornar um eixo central da agenda climática. E, no coração dessa transformação, o trabalho da Nutrição ganhou destaque. Responsável Técnica pela cozinha da Cúpula dos Povos, a nutricionista Ana Paula da Silva Ferreira coordenou a oferta de refeições para mais de 100 mil pessoas, mostrando que a integração entre qualidade nutricional, agroecologia e sociobiodiversidade é não só viável, mas essencial para a construção de sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis.
“A importância do nutricionista nesse processo é soberania e segurança alimentar e nutricional, respeitando o território e a cultura local, e mostrando que é possível oferecer alimentação saudável e agroecológica em grande escala, com o menor impacto ambiental possível”, afirma.

A experiência conduzida por Ana Paula, que já atuou em grandes cozinhas ligadas a movimentos sociais e projetos coletivos em parceria com a Fiocruz, reforça que cozinhas de grande porte são também espaços educativos. Nelas, nutricionistas planejam cardápios que respeitem os hábitos alimentares, a cultura e a tradição alimentar local, orientam equipes, asseguram padrões higiênico-sanitários, orientam o uso consciente de água e energia e organizam fluxos que reduzem resíduos e impactos ambientais, produzindo não apenas refeições, mas conhecimento e cuidado que permanecem nos territórios.
Uma proposta que nasce do território
Pela primeira vez em uma Conferência do Clima, a alimentação servida foi planejada para valorizar a produção local, priorizando a agricultura familiar, práticas agroecológicas e ingredientes da sociobiodiversidade amazônica. A iniciativa, coordenada pelo Instituto Regenera e parceiros, mapeou mais de 40 empreendimentos rurais do Pará capazes de abastecer o evento com alimentos in natura, minimamente processados e sem agrotóxicos.
Maurício Alcântara, cofundador do Instituto, explica que a proposta é também um posicionamento político. “Boa comida significa mostrar o que a agricultura familiar é capaz de oferecer e o que a agroecologia é capaz de entregar, alimentos produzidos com respeito à natureza e às culturas alimentares dos povos amazônicos”, destaca.
Segundo ele, esse movimento é urgente: 75% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa vêm de sistemas alimentares ligados à agricultura, pecuária e desmatamento. “Mostrar que é possível comer diferente é, ao mesmo tempo, uma denúncia e um convite à mudança”, afirma.

Do território para o prato
Dentro da Blue Zone, espaço oficial da COP onde acontecem as negociações entre países, a Cúpula de Líderes e as atividades diplomáticas organizadas pela ONU, o Restaurante SocioBio se tornou um dos símbolos dessa mudança. Atendendo entre 2 mil e 5 mil pessoas por dia, a equipe serve refeições elaboradas majoritariamente com ingredientes oriundos de agricultores familiares e de Povos e Comunidades Tradicionais.
Para Kauê Assis, representante do restaurante, a proposta é simples e profunda:
“A ideia é oferecer comida de verdade. Trabalhamos direto com produtores para garantir alimentos frescos, sem ultraprocessados e de qualidade, preservando nutrientes e respeitando o território.”
Até o fim da COP30, que tem previsão de término para o dia 21/11, a expectativa é alcançar o marco de 120 mil refeições servidas.
Nutrição, agroecologia e justiça climática
A experiência da Cúpula dos Povos mostrou que alimentar multidões com base na agroecologia é possível e fortalece economias locais, valoriza modos de vida sustentáveis e amplia o acesso à sociobiodiversidade. Para Ana Paula, isso exige respeito à sazonalidade, aos sistemas produtivos tradicionais e a uma lógica de abastecimento que una saúde, sustentabilidade e cultura alimentar.
O legado, segundo ela, é tanto técnico quanto pedagógico: cozinhas comunitárias, escolares, solidárias e de grandes eventos se transformam quando nutricionistas compartilham métodos, técnicas e cuidados. O resultado é um circuito alimentar que distribui conhecimento, fortalece comunidades e demonstra ao país que alimentação saudável é também um caminho para a justiça climática.

Um novo modelo de alimentação com a atuação de nutricionistas
A experiência construída na COP30 demonstra que a transição para sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis depende de planejamento, diálogo com os territórios e valorização da sociobiodiversidade, mas exige, sobretudo, a presença técnica de nutricionistas. É esse profissional que articula segurança alimentar e nutricional, qualidade higiênico-sanitária, educação alimentar e nutricional, respeito à cultura alimentar e sustentabilidade ambiental em cada etapa do processo. Na Amazônia, essa atuação se torna ainda mais estratégica, conecta saberes tradicionais, fortalece produção local, reduz impactos climáticos e oportuniza que alimentos saudáveis cheguem à população de forma ética, justa e responsável.
Ao lado da agricultura familiar, da agroecologia e dos povos e comunidades tradicionais, a Nutrição se reafirma como eixo estruturante de um novo modelo de alimentação para o país, mais saudável, mais sustentável e alinhado ao enfrentamento da emergência climática.
Foto: Pedro.H Nunes e Kamila Aleixo











